Por décadas, a recomendação predominante para o retorno ao esporte após a reconstrução do ligamento cruzado anterior (LCA) fundamentou-se na noção de que um período mínimo de 9 meses seria necessário para garantir um retorno seguro. Essa diretriz foi estabelecida com base em estudos epidemiológicos que associaram um aumento progressivo no tempo de reabilitação a uma redução no risco de relesão. No entanto, um estudo recente publicado no British Journal of Sports Medicine questiona a validade do critério temporal isolado como determinante do RTS.
O Estudo: Análise Longitudinal com 530 Atletas
Nesta investigação prospectiva, foram avaliados 530 atletas do sexo masculino praticantes de esportes de pivô (como futebol, basquete e handebol) ao longo de 2 anos após a cirurgia. O objetivo foi identificar os principais determinantes do RTS e examinar a influência do tempo de reabilitação sobre a incidência de novas lesões.
Principais Achados do Estudo
Os resultados forneceram evidências robustas sobre os fatores que impactam o retorno seguro ao esporte:
✅ 72% dos atletas retornaram ao esporte dentro do período de acompanhamento.
✅ Atletas que cumpriram critérios objetivos de alta apresentaram uma probabilidade seis vezes maior de retomar a prática esportiva.
✅ O tempo decorrido entre a cirurgia e o retorno (≤9 meses vs. >9 meses) não demonstrou associação significativa com o risco de nova lesão, desde que os critérios clínico-funcionais fossem atendidos.
Esses achados reforçam que o tempo, por si só, não é um preditor confiável da prontidão do atleta para o RTS.
Por que o Tempo Isolado Não é um Indicador Suficiente?
A decisão de liberar um atleta para o retorno ao esporte com base exclusivamente no tempo decorrido desde a cirurgia desconsidera variáveis biomecânicas, neurofisiológicas e psicossociais essenciais à recuperação. Estudos prévios demonstraram que atletas que retornam antes dos 9 meses possuem um risco aumentado de relesão, mas essa relação ocorre predominantemente entre aqueles que não atingiram parâmetros físicos e funcionais adequados.
Critérios Baseados em Evidências para um Retorno Seguro
O estudo reforça que a liberação para o RTS deve ser embasada em critérios objetivos que avaliem a capacidade funcional do atleta. Entre os principais parâmetros recomendados estão:
✔️ Força simétrica (>90%) entre membros inferiores, especialmente em extensores e flexores do joelho.
✔️ Testes de salto e controle neuromuscular (single hop, triple hop, crossover hop), com simetria mínima de 90%.
✔️ Propriocepção e estabilidade articular, incluindo testes dinâmicos de controle postural.
✔️ Preparação psicológica para o retorno, considerando fatores como medo da relesão e confiança na articulação.
✔️ Exposição progressiva ao esporte, incluindo treinos específicos antes da liberação completa para competições.
Atletas que atendem a esses critérios apresentam menor risco de relesão, independentemente de terem ultrapassado ou não a marca de 9 meses de reabilitação.
O Foco Deve Estar na Qualidade da Reabilitação, e Não Apenas no Tempo Decorrido
Os achados deste estudo reforçam que tempo e segurança não são sinônimos no contexto do retorno ao esporte pós-LCA. A variável crítica para a tomada de decisão não deve ser quando o atleta volta, mas sim como ele retorna às atividades esportivas.
Dessa forma, recomenda-se que a alta para o RTS seja fundamentada em testes objetivos, análise individualizada da recuperação e um programa de reabilitação estruturado. Profissionais da área esportiva e da saúde devem evitar a dependência exclusiva do critério temporal e priorizar uma abordagem baseada em evidências para garantir um retorno seguro e eficaz.
Thiago Serafim, MSc. Esp.
Com todos meus atletas sempre foco a reabilitação até o sucesso no retorno ao esporte após a reconstrução do LCA. Este processo começa no dia 1 da fisioterapia e segue até o final. Não será possível chegar bem ao final se a fase inicial e intermediária não forem respeitadas. Sempre prezo isso para meus pacientes e atletas, sejam presenciais ou online. Não trago aqui neste texto a defesa de um retorno ao esporte mais precoce, trago nele o foco em uma reabilitação bem feita.
REFERÊNCIA
Kotsifaki R, et al. Br J Sports Med. 2025. doi:10.1136/bjsports-2024-108733.